Colunista de um site de notícias, sob a descrição “diz o que pensa”, a moça deve estar acostumada a ser mal compreendida. Afinal, para angariar inimigos, afirmou alguém, basta dizer o que se pensa. Foi o que ela (supostamente) fez, em tom jocoso (e aí é que o angu desandou):
Todo pobre tem problema de pressão. Seja real ou imaginário. É uma coisa impressionante. E todos têm fascinação por aferir [verificar] a pressão constantemente. Pobre desmaia em velório, tem queda ou pico de pressão. Em churrascos, não. Atualmente, com as facilidades que os planos de saúde oferecem, fazer exames tornou-se um programa sofisticado.
(…)
Como o hemograma completo exige jejum de 8 ou 12 horas, o pobre, sempre bem arrumado, chega bem cedo no laboratório, pega sua senha, já suando de emoção [uma mistura de medo e prazer, como se estivesse entrando pela primeira vez em um avião] e fica obcecado pelo lanchinho que o laboratório oferece gratuitamente depois da coleta. Deve ser o ambiente. Piso brilhante de porcelanato, ar condicionado, TV ligada na Globo, pessoas uniformizadas. O pobre provavelmente se sente em um cenário de novela.
O texto humorístico é traiçoeiro. A fronteira entre a gargalhada e o repúdio está ali, ali. E, nestes tempos em que a liberdade de se cuspir o caroço está na pauta das discussões mais acirradas, a moça se arriscou. A retratação, em forma de advertência, não sei se será convincente, mas faz pensar:
ATENÇÃO:
Humor cáustico perde a graça quando precisa ser explicado. Falhei. Poucos se divertiram e muitos se ofenderam. A intenção não era essa.
Que atire a primeira pedra quem nunca fez uma piada no tom ou no momento errado e ficou “com cara de cachorro que peidou na porta da igreja”. Expressão popular, aliás, de uma sapiência incrível: o problema do cachorro (aqui substituindo qualquer ser pensante que pudesse se ofender) é o local (pô, na porta da igreja?!) e não o ato em si. Estamos, talvez, em tempos de repensar o que Kant chamava de uso público e privado da razão. O problema não é o que dizer, mas onde e como. Suponhamos que a coluna da moça fosse mesmo humorística e seus leitores, acostumados com o tom, conseguissem se divertir com o texto. Tudo bem, certo? Hmmmm, não sei não. Costumo dizer que tudo ficaria muito chato se acorrentássemos o humor ao politicamente correto. Mas, de qualquer modo, nenhuma outra situação comunicativa expõe melhor nossos preconceitos do que nossas piadas. Veja:
Um negro rico, saindo em seu carro de luxo, viu, pichada no muro de sua mansão, a frase: “Aqui mora um negro”. Não se fez de rogado. Mandou que um empregado pichasse, embaixo, a frase: “Mas sou rico!”. No outro dia, ao sair, deparou-se com outra pichação: “Mas é pobre!”
Você pode contar esta “inocente” anedota em um churrasco inter-racial (e, veja, qualquer churrasco neste país, com mais de três pessoas presentes, será provavelmente inter-racial) e rir a vera, enquanto enche o copo de cerveja do seu amigo negro. É possível que o ensejo permita uma conversa amena sobre preconceito e tal, que quebre tensões (a diversidade social em que estamos inseridos pode colocar no mesmo ambiente um negro, um nordestino, um homossexual e um neo-nazista). Mas, duvido que, um milésimo de segundo antes da gargalhada geral, não reine uma sensação do tipo: iiiiih, fedeu!
Pois, foi assim com o texto da moça em questão. Depois, eu consegui até rir e me ver (pobre membro do proletariado), mas só depois do “Fala sério!”.
Eu acho que o sonho de muitos pobres é ter nódulos. O avanço da medicina – que me amedronta a cada dia porque eu não quero viver 120 anos – conquistou o coração dos financeiramente prejudicados. É uma espécie de glamourização da doença. Faz o exame, espera o resultado, reza para que o nódulo não seja cancerígeno. Conta para a família inteira, mostra a cicatriz da cirurgia.
A moça errou a mão. Eu erro a mão. Você erra a mão. Ser engraçado é para poucos e em situações específicas. Ou estamos muito melindrosos? Hum?
Leia o texto e analise por si mesmo, se quiser aqui.